Um interessante comentário do leitor Antônio Daniel,
de Salvador BA, foi o ponto de partida da coluna desta semana. Reproduzo
a seguir:
“Existem vinhos tintos doces de qualidade ou são todos ruins tal qual os que encontramos em supermercados”?
O que chamou a atenção foi o “são todos
ruins”, uma quase verdade para o consumidor brasileiro que tem uma razão
muito particular: a nossa legislação não faz uma distinção entre um
vinho obtido a partir de uvas viníferas e os denominados “vinhos de
mesa” que são produzidos com uvas comuns, iguais às que compramos no
mercado. Isto ocorre por pressão dos produtores dos vinhos de garrafão
que dominam as entidades de classe que têm poder de lobby no congresso. A
única distinção, do ponto de vista legal, é “Vinho Fino” e “Vinho de
Mesa”.
Mesmo sabendo que vamos receber uma
quantidade de críticas, volto a afirmar que uma bebida obtida através da
fermentação de um suco de uvas comuns NÃO É VINHO! Que arranjem outro
nome, por exemplo, “bebida fermentada de uva”, “cerveja de uva”, etc.
Vinho, de verdade, tem que ser elaborado
com uvas do tipo “vitis vinífera”. Para demonstrar isto de forma cabal
só precisamos de um bom dicionário:
Vitis: Videira, vite, vinha, vinhal, vinhedo ou parreira (do latim Vitis, L.)
Vinífera: que produz vinho.
Provavelmente algum leitor mais atento já
deve estar curioso sobre as diferenças entre a Vinífera e a comum,
conhecida como Labrusca ou uva americana. Existem algumas, mas a que nos
interessa é a facilidade em se obter a fermentação de um mosto. As
viníferas, se colhidas no ponto certo, fermentam sozinhas. As outras
precisam de uma ajuda para iniciar este processo.
Como fazem para fermentar a uva comum então?
O mais simples é acrescentar açúcar, muita
quantidade se o produto final for do tipo suave. Se não conseguirem a
cor ou o sabor desejado, seguem acrescentando melado, molho de soja,
pipi de gato, vinho velho, tinta de sapato e o que mais tiver à mão.
Entenderam porque dá dor de cabeça no dia seguinte?
Vinho “suave” é intragável, “rascante” não serve nem para lavar o cachorro.
Vamos falar de vinhos doces verdadeiros
cuja elaboração é muito mais complexa do que a do vinho seco.
Apresentaremos, a seguir, os diferentes métodos utilizados que podem ser
focados na concentração da uva para que fique muito doce ou em
processos de elaboração na cantina. Uma destas técnicas, a Fortificação,
foi abordada na coluna da semana passada. Em todos os casos o produto
final é de alta qualidade, a quintessência do vinho.
As técnicas, abaixo, enfocam na concentração dos açúcares na uva:
1 – Deixar as videiras serem atacadas
pela Botrytis Cinerea, a podridão nobre. Isto só é possível quando a
temperatura e a umidade estão adequadas. Este fungo extrai líquido das
uvas deixando-as extremamente doces, mantendo a acidez que é desejável.
O controle deste processo é dificílimo e muito delicado. Alguns dos
mais famosos doces são elaborados desta forma;
Exemplos: Sauternes, Barsac, Tokaji,
Ausbruch, Bonnezeaux, Quarts de Chaume, Coteaux de Layon, Sélection des
Grains Nobles, Beerenauslese, Trockenbeerenauslese.
2 – Empregar um processo denominado
Passerillage, uma espécie de passificação obtida com a uva ainda na
videira. Muitos agricultores torcem o caule do cacho, sem rompê-lo. A
uva deixa de receber os nutrientes e acaba secando, com alto teor de
açúcar;
Exemplos: Jurançon, Riesling Australiano do tipo “Cordon Cut”.
3 – Colheita Tardia. As uvas são colhidas
tardiamente, quando já estão muito maduras. Dependendo da região pode
ocorrer a podridão nobre ou a passerillage. Esta técnica é muito
empregada nos vinhos da América do Sul.
Exemplos: Spätlese, Auslese, Vendange Tardive, Late Harvest, Cosecha Tardia.
4 – Passificação. As uvas colhidas são
colocadas para secar em esteiras de palha ou caixas de madeira, da mesma
forma como se obtém a uva passa que estamos habituados a consumir.
Exemplos: Amarone, Vin Santo, Recioto, Pedro Ximénez, Passito.
5 – Congelamento. Só é possível em
regiões com clima muito frio. As uvas são deixadas nas parreiras durante
o inverno. Como o açúcar não congela, ficam extremamente doces. Em
regiões de clima mais tropical é possível obter-se este efeito através de
criogenia.
Exemplos: Eiswein, Icewine.
As técnicas seguintes são aplicadas durante ou após a vinificação.
6 – Resfriamento e filtragem. Consiste em
baixar a temperatura do mosto em fermentação de tal maneira que ela
estanca. Em seguida filtra-se o líquido para remover os resíduos da
levedura, deixando o açúcar concentrado.
Exemplos: Kabinett, Moscato d’Asti, California Blush, Prosecco.
7 – Embora seja um tabu, muitas vezes não
permitido por lei, a adição de açúcar é comum na elaboração de
espumantes. A técnica é chamada de “dosagem” (licor de expedição), sempre aplicada depois da
segunda fermentação, com o objetivo de corrigir o açúcar residual ou
elaborar um produto final mais doce. Quando um
espumante não recebe nenhum açúcar adicional é vendido como “Brut
Nature” ou “Zero Dosage”.
Não precisamos ser experts para perceber
que vinhos doces exigem muito mais trabalho e dedicação para serem
elaborados. Por esta razão são muito caros e, quase sempre, vendidos em
meia garrafa para terem preços competitivos.
Em Setembro de 2011, publicamos uma série
de 3 partes sobre os vinhos doces. Bem diferente do texto de hoje,
contamos as histórias por trás destas delícias que, definitivamente,
adoçam a vida. Para quem ainda não leu, eis os links:
Dica da Semana: um Ice Wine bem brasileiro, o Vinho do Gelo!
ICEWINE Pericó (Cabernet Sauvignon)
Vinho licoroso elaborado com uvas colhidas maduras e congeladas naturalmente nos vinhedos temperatura de -7,5º C.
Aroma intenso e muito complexo, com
forte presença de frutas como uva passa, figo seco, tâmaras secas,
ameixa seca e um discreto aroma de goiaba. No palato é doce, com ótima
acidez e persistência. Deve ser consumido entre 9º C a 11ºC.
Harmonização: sobremesas à base de
pêra e frutas secas, queijos azuis Roquefort e Gorgonzola, queijos de
fungo branco Brie e Camembert, Foie gras. É um vinho de meditação e
portanto pode ser degustado e apreciado sem nenhum outro tipo de
alimento.
Garrafa de 200ml.

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