Quando
comecei a escrever sobre vinhos para O Boletim decidi seguir alguns
cânones, por exemplo, usar o jargão típico dos enófilos, mesmo sabendo
que nem sempre isto faria muito sentindo para os leitores. Alguns
e-mails até sugeriram a elaboração de um glossário.
Parece que
esta linguagem muito específica começou a incomodar alguns pesquisadores
que decidiram medir, no mercado inglês que é considerado o maior do
mundo, o que realmente valia a pena ou era interessante saber para o
consumidor final. O resultado é surpreendente, mostrando do que a força
do marketing é capaz: termos restritos à profissão do enólogo acabam na
boca do povo que não tem a menor ideia do que estão falando. Mas fica
bonito... Eis alguns exemplos.
1 – As Notas de Degustação
– honestamente, algum leitor já comprou um vinho por que se sentiu
atraído por este tipo de informação? Saber que o que está na garrafa tem
“Cor púrpura com reflexos violáceos” é fundamental na hora de comprar
um vinho?
O estudo
inglês mostrou que não, mais de 55% das respostas foram negativas,
muitas apontando que esta descrição nem sempre era clara. Apenas 9% dos
entrevistados afirmou que escolheu um rótulo baseado numa descrição do
produto.
O resultado desta pesquisa pode ser usado em qualquer mercado sem grandes alterações.
2 – A Madeira dos Barris de Carvalho
– saber de qual bosque veio a madeira usada numa barrica se tornou
ponto de honra. Se vier Alliers ou Tronçais tanto melhor, algo como
‘está é “a” barrica’...
Bobagem! Só
os muito ingênuos acham que vão notar alguma diferença se usarem esta ou
aquela madeira. Um ponto é fundamental: o carvalho americano e o
francês são diferentes acrescentando aromas e sabores distintos ao vinho
que neles permaneceu. Mas quem decide o resultado final é o enólogo,
que vai dosar o produto até atingir sua meta. Honestamente, é quase
impossível saber ao degustar um vinho qual a origem das barricas.
Mais um ponto
para pensar: o “carvalho francês” também existe em florestas que por
muitos anos ficaram inacessíveis por trás da Cortina de Ferro. Hoje em
dia já é possível falar em carvalho esloveno ou romeno. Do ponto de
vista científico são exatamente iguais ao francês. Quem se arrisca a
identificar um ou outro? Mais uma informação pouco relevante. Mas quanto
prestígio...
3 – Vinhedo ou Parcela Únicos
– esta frase está na moda e aumenta significativamente o preço dos
vinhos que a trazem em seus rótulos. Se for realmente verdade que uma
determinada vinícola faz regularmente vinhos somente com frutos obtidos
de uma região específica de seu vinhedo, vamos ter que acreditar que o
clima, naquela região, é imutável. Não é bem assim. Não há dúvida que
as melhores uvas vão para os melhores vinhos. Também é seguro afirmar
que esta ou aquela micro região produz frutos de melhor qualidade. A
dúvida fica por conta de o volume de uvas ser suficiente para elaborar
uma quantidade de vinho que possa ser comercializada.
Este tipo de
informação deveria ficar restrita aos Agrônomos e Enólogos, só a eles
interessa. Mas vende o produto. O próximo passo vai ser algo como
“Parreiras Selecionadas Individualmente”...
Vocês acreditam? Papai Noel existe?
4 – O Melhor Sistema de Fechar a Garrafa
– Rolhas de cortiça versus o resto do mundo, uma batalha num ringue
internacional: neste corner... e o juiz será o consumidor final.
Há muito para
ser dito neste tema. O mais importante é: tampa de rosca vai ser o
padrão em pouco tempo. A cortiça está cada vez mais cara, é produzida
por um cartel, e para determinadas regiões do mundo é quase inacessível,
por exemplo, a Nova Zelândia: mesmo seus vinhos top usam tampas de
rosca.
Óbvio que
vinhos icônicos e famosos vão continuar com o mesmo sistema que usam há
séculos. Sempre funcionou e vai continuar funcionando. Trocar o sistema
de fechamento de um vinho destes pode causar estranheza e desconfiança. A
chave neste caso é que o preço da rolha não vai alterar em nada o custo
final.
Mas o que
dizer de um vinho do dia a dia? Para uma garrafa que custe 50 reais num
supermercado não importa como ela foi fechada: quanto menor o custo
melhor, desde que o sistema empregado cumpra sua função de vedação
protegendo a bebida, melhor.
Deixem esta preocupação para os enólogos e aceitem sua decisão. Sempre será a melhor escolha para aquele produto.
5 – Dia e Hora da Colheita
– este dado é de um preciosismo e de uma inutilidade assombrosos.
Levante a mão o consumidor que for capaz de perceber esta nuance ao
consumir um vinho. Nem o famoso Parker, aposto!
Pode parecer
inverídico, mas já encontrei, num contra rótulo, um minucioso texto
informando que as uvas teriam sido colhidas num dia do mês de Abril, à
tarde. Em outro vinho, as uvas foram colhidas numa amena noite de março.
Para quem isto é relevante afinal? Acho que a turma do Marketing pegou
pesado aqui.
6 – Proporções de um Corte
– apesar de ser uma informação relevante, estão levando isto ao
extremo. É óbvio que fica frustrante ler um rótulo para descobrir que é
um vinho obtido a partir de “uvas viníferas europeias”. Mas também não
me adianta nada saber que um corte foi obtido a partir de 11,5%
Cabernet, 15,7% de Carmenére, 13,87% de Malbec, 2,34% de Syrah e mais
uma infinidade de uvas. Não precisamos nem desta, nem da outra
informação; não ajudam em nada, confundem.
A grande
maioria dos vinhos ditos varietais, ao contrário do que imaginamos, pode
receber uma quantidade pequena de outras uvas que permitem um melhor
acabamento do produto: pode melhorar a cor, aroma, tanino etc. Esta
adição é legal, não precisa ser declarada e não muda a característica
principal da casta, ou seja, um Cabernet com 10% de Merlot continua
sendo um Cabernet.
Por outro
lado, se um vinho for um corte em que as diferentes castas tiverem pesos
semelhantes, está é uma informação válida que deve ser divulgada
claramente. Fora disto, deixe para os ‘enochatos’.
7 – Teor Alcoólico
– o que se discute aqui é se a quantidade de álcool num vinho tem
realmente a importância que se atribui a este dado, que consta dos
rótulos por obrigação legal. Países produtores que têm seus vinhedos em
regiões de muito sol produzem vinhos mais alcoólicos, os frutos terão
maior teor de açúcar para ser convertido. Mas este fator sozinho não
torna um vinho melhor ou pior para ser consumido. Se realmente isto for
um ponto de discussão válido é melhor esquecer o vinho e beber suco de
uva: teor zero!
8 – A Cuba de Fermentação
– a mais recente invencionice dos marqueteiros que resolveram
distinguir os vinhos pelos recipientes em que são fermentados. Desta
forma seriam sensivelmente diferentes vinhos que foram elaborados em
tanques de inox, em barricas de madeira, piscinas de concreto (com ou
sem epóxi) e até na última novidade um recipiente de forma oval
construído em concreto.
Isto faz
diferença? Creio que só para o enólogo ou algum especialista do assunto.
Em todos os casos o resultado é vinho. Só de curiosidade, acho que
seria mais útil saber qual a levedura utilizada, assim poderia esperar
pela presença, ou não, de determinados aromas e sabores. O resto é
subjetivo e fica a critério do leitor.
Dica da Semana: um excelente Syrah do Chile com uma característica que serve de exemplo para tudo que foi dito acima.
Polkura Syrah 2008
Composição: 94% Syrah, 2% Malbec, 1,5% Tempranillo, 5% Grenache Noir, 1% Viognier
Colheita: 22 de abril – 2 de maio 2007
Álcool: 14,6%; Açúcar: 2,6 g/l; Acidez: 5,9 g/l; PH: 3,62
Cor
violáceo profundo. Aromas de pimenta branca e negra, acompanhado de
frutas negras, ervas e aniz. Vinho de grande corpo, elegante, com
taninos muito intensos, porém suaves. Acidez natural e doçura de álcool
bem equilibradas. O vinho é muito complexo, integrando os diversos
sabores que emergem no paladar. Final longo.
Precisa disto tudo ou bastaria dizer: Ótimo vinho!

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