quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Traduções imperfeitas

A Internet tem sido um grande canal de informações para todos. Infelizmente, nem tudo que se descobre em seus meandros é verdadeiro ou correto, o que exige de cada um de nós um grande senso crítico, capacidade que só se adquire depois de muitos anos de experiência, boas leituras e até mesmo o domínio de um segundo idioma.

Antigamente ensinavam Latim, Inglês e Francês, além do Português, deixando o Espanhol esquecido, mesmo sabendo que todos os nossos vizinhos sul-americanos o adotam. Embora fossem noções básicas, era suficiente para evitar alguma gafe.

Atualmente é impensável que não se domine pelo menos mais um idioma. Em algumas carreiras isto era fundamental, como a Diplomacia. Hoje, nem português exigem mais...

Outra atividade que deveria ter profissionais hábeis em dois ou 3 idiomas diferentes é o Jornalismo. Com a quantidade de informações que recebemos diariamente, de todos os cantos do mundo, exercer o senso crítico sem dominar outras línguas fica complicado.

Imagine checar a fonte de uma matéria, regra jornalística que parece ter sido esquecida por muitos profissionais: correm para o Google, que existe para isto mesmo e, se não entenderam nada do que estão lendo, usam o poderoso “tradutor” que está ali ao alcance de um clique.

Aí mora o perigo: o resultado desta tradução é literal e fora de contexto.

Redatores e revisores de uma importante revista sobre vinhos, distribuída pelo sempre ótimo Clube W da Wine, embarcaram nesta canoa furada e produziram uma enorme “barriga”.

Eis a pérola publicada no nº 67 de julho de 2015, página 49:

-"Selecionamos o Grand Terroir da AOC La Caple, a mais recente Apelação de Origem"... 


Esta mancada é o resultado de falta de senso crítico, desconhecimento de um 2º idioma e utilização indiscriminada de um tradutor, on line, para resolver o problema.

Simplesmente inaceitável numa publicação deste calibre que deveria educar os seus leitores e/ou sócios, formando uma geração de consumidores bem informada e multiplicando as chances de continuar sendo o sucesso que é.

Na língua portuguesa o substantivo "apelação" tem um significado muito específico. Reparem na definição de um bom dicionário:


Não há nenhuma referência ao mundo dos vinhos.

A origem desta palavra vem do latim "appellare" (chamar ou chamada), que não é a mesma raiz da expressão francesa "Appellation" que deriva de "appellatio" (nome).

A expressão correta no nosso idioma seria "Denominação" ou "Designação" (de Origem Controlada), jamais "Apelação".

Mensagens alertando sobre o erro foram enviadas para a redação da revista e para o Presidente da Wine, que reconheceram o engano e prometeram uma retificação na próxima edição.

Esta é a parte mais triste deste caso: na edição seguinte lá estava o mesmíssimo erro, desta vez em destaque. As imagens falam por si:
(nº 68, Agosto 2015, pag. 46)


 
Apelaram demais: errar é humano, persistir no erro é burrice.

Esta coluna, embora não seja assinada por nenhum jornalista, reflete as opiniões do Colunista que têm sempre a preocupação de checar a veracidade dos fatos abordados. Dentro deste espírito, fomos à fonte, neste caso o conhecido dicionário Larousse, buscando o real significado do termo “Appellation”. Eis o resultado:

Tradução: nome, qualificativo que se atribui a qualquer coisa ou qualquer um.

Clicando na aba que exemplifica o seu uso obtivemos:

 
Tradução: denominação garantidindo a origem de um produto, particularmente dos vinhos.

Batendo o último prego deste caixão, eis o que a aba dos sinônimos mostrou:




Tradução: denominação; designação; palavra; nome; qualificação; vocábulo.

Nem precisava consultar o Aulete.

Como diria o Prof. Luiz Antonio Sacconi: -“Não erre mais”.

Dica da Semana: fugindo das AOC, DOC e similares, um honesto vinho grego da região da Macedônia.


Boutari Syrah TO Imathia 2006

Vinho de cor vermelha-rubi.
Mostra um intenso bouquet aromático e condimentado. No palato é bem estruturado e com taninos finos.
Tempo de guarda de 5 a 10 anos.
Harmoniza com carnes vermelhas e queijos amarelos.






terça-feira, 18 de agosto de 2015

Descritores do vinho 1 - Elegante

Existe um jargão próprio dos Enófilos e Sommeliers. Descrever um vinho é tão importante quanto saboreá-lo corretamente. Dominar este vocabulário é quase uma arte, muitos dos termos empregados, os "descritores", são adaptados de outras expressões comuns, seja por semelhança, seja por traduções mal feitas (o Brasil engatinha neste assunto) e até por razões estranhas, por exemplo, quando alguma celebridade cunha um termo que acaba caindo no gosto de todos.

Objeto de colunas anteriores, mostramos que um vinho tem acidez, mas não é um ácido. Esta é uma característica desejável nos brancos, para os tornarem frescos e agradáveis, além de necessária nos tintos para contrabalançar os taninos. Alguns vinhos tintos são elaborados com um maior teor de taninos para serem longevos.

Acidez e Tanicidade são dois descritores muito importantes e largamente empregados nas fichas técnicas, leitura obrigatória para quem pesquisa bons vinhos e deseja comprá-los com segurança.

Mas o que pensar quando um importante crítico de vinhos como Hugh Johnson menciona: “tintos elegantes”?

O leigo irá logo imaginar uma bonita garrafa, um rótulo alinhado, tudo vendido dentro de uma fina bolsa de veludo ou quem sabe num elaborado estojo de madeira. Não é nada disto. Muito cuidado com vinhos embalados assim...


Começamos pela definição da palavra "Elegante":

1. Que se veste com bom gosto (professor elegante).

2. Que se movimenta ou se comporta de maneira graciosa, harmônica (dançarino elegante).

3. Que revela requinte, gosto estético apurado: "A sala da casinha era simples e pequena, mas muito elegante..." (Aluísio Azevedo, O cortiço)

4. Que demonstra ter boa educação, distinção, correção em suas atitudes.

5. Diz-se de local frequentado por pessoas requintadas: Fomos a um restaurante elegante.

6. Que realiza sua função ou resolve um problemas de maneira simples, jeitosa, estética etc.: Achou uma solução elegante para o projeto gráfico.


Percebe-se que o mundo do vinho não foi contemplado com uma explicação.
Vamos a ela, começando por suas raízes latinas:

1 – do latim "ligare", que significa amarrar, unir, juntar;

2 – do latim "eligere", que significa selecionar, eleger.

Há um nítido viés cultural nestes dois verbos que nos passam a sensação de equilíbrio, igualdade ou entrosamento. Nesta linha podemos afirmar que:

Um vinho elegante é um vinho que demonstra um notável equilíbrio entre acidez, tanicidade, teor alcoólico, frutas e madeira. Uma bebida cheia de sutilezas que exigirão um paladar apurado para desfrutá-la.

O termo pode ser aplicado a qualquer tipo de vinho, mas não é tarefa fácil perceber a relação de igualdade entre todas estas características.

Alguns autores, por esta razão, preferem explicar este descritor por negação:

Um vinho que não é imponente, não é frutado, não é opulento, não é brilhante. 

Ou seja, não tem uma caraterística que se destaca mais que outras. É como um ator veterano que toda vez que entra em cena ofusca o resto do elenco. 
Múltiplas qualidades que impõem um tremendo respeito.

Exemplos típicos de vinhos elegantes são os de Bordeaux. Mas não pensem que, ao chegarem ao mercado estão prontos, serão necessários alguns anos em garrafa para atingir este equilíbrio. Pergunte a quem já provou um vinho deste ainda jovem.

Alguns sinônimos adotados por diversos autores: Polido, Fino, Delicado e Gracioso.

Concluindo: Elegante é um vinho que enche a boca, redondo, aveludado, sápido e que nos deixa satisfeito ao degustá-lo.

Dica da Semana: um Syrah dentro desta definição.

Casas Del Bosque Gran Reserva Syrah

Vermelho com toques roxos.
Apresenta-se como um grande expoente deste varietal.
É um vinho elegante caracterizado pelos aromas de pimenta negra, marmelada de frutas vermelhas e maduras.
Na boca apresenta uma acidez balanceada e, na parte média do céu da boca um frutado, untuoso de grande corpo, terminando com uma sutil adstringência própria de taninos maduros.
É um vinho elegante do princípio ao fim.


terça-feira, 11 de agosto de 2015

Compreendendo os Taninos

Assim como a acidez, que é uma marcante característica dos vinhos brancos, os taninos são a estrutura dos tintos.


De forma análoga a acidez, que provoca uma intensa salivação, aquela sensação de boca seca, que muitos acham desagradável, é a marca da presença dos taninos.


Para prosseguirmos nesta discussão precisamos, novamente, concordar com alguns pontos comuns:


1 – todo vinho que foi elaborado com a presença das cascas, sementes e engaços das uvas contém tanino. Isto inclui os tintos, os rosados e alguns brancos;


2 – taninos estão presentes em várias bebidas que consumimos, como os sucos de maçã, uva, amora, mirtilo, framboesa, cereja, morango (frutas vermelhas), ou qualquer outro que teve seu sabor modificado para se obter alguma sensação de adstringência (adição de tanino em pó).


Cervejas, principalmente as do tipo Lager. Normalmente parte destes taninos é removida para deixar o gosto mais suave.


Chá é outra bebida rica deste composto.


3 – Caqui, frutas vermelhas, romã, avelã e nozes contêm altos teores de taninos. Quase todas as frutas que escurecem com o tempo contem taninos em suas cascas. A mais conhecida entre os brasileiros é a banana – a bananada ou o doce em calda são escuros por esta razão;


4 – especiarias como estragão, cravo, canela, cominho, tomilho e até baunilha são fontes de tanino;


5 – a maioria dos legumes é tânica, sendo o feijão vermelho o que contém o maior teor. Na outra ponta desta escala estão o feijão branco, o grão de bico e o amendoim sem casca;


6 – alimentos defumados, devido à madeira usada no processo;


7 – produtos à base de chocolate amargo principalmente. Licores, por exemplo.


8 – para encerrar esta longa lista que não pretende ser completa, o tanino está presente em todo reino vegetal: caules, sementes, madeira, folhas, etc.


Do ponto de vista químico, os Taninos são compostos polifenólicos. Seu nome deriva de Tanna que no alemão arcaico significava carvalho ou pinheiro (tannembaum). A expressão também é usada para definir o tingimento do couro e, por analogia, o bronzeado por luz do sol (tanning, tan).


Durante as etapas de fermentação e maceração do vinho, o tempo de contato do mosto com as cascas, sementes e caules permite a dissolução do tanino no líquido (álcool e água). Na etapa de maturação nos barris de carvalho o tanino é transferido por contato. O mesmo efeito é obtido quando se utiliza cavacos, gravetos ou tanino em pó.


Algumas castas são mais tânicas que outras, mas isto não significa que seus vinhos também o sejam. Tudo vai depender da forma como serão vinificados. Eis uma relação comparativa:
Muito tanino Pouco Tanino
Nebbiolo Barbera
Cabernet Sauvignon Zinfandel
Tempranillo Pinot Noir
Montepulciano Primitivo
Petit Verdot Grenache
Petite Sirah Merlot

Uma campeã indiscutível é a Tannat, hoje a casta emblemática do Uruguai, que nas mãos de competentes enólogos entregam vinhos maravilhosos.


Isto nos leva a discutir a importância dos taninos na vinificação. Para não nos estendermos por intrincados caminhos químicos, a arte de bem vinificar pode ser resumida numa única expressão:


“Gerenciar os taninos!”


Sem eles os vinhos ficam sem graça. Não nos conquistam.


Em excesso nos incomodam tirando todo o prazer em degustar.


Até a cor dos vinhos tintos é influenciada por este composto.


Alguns conselhos finais:


- quem não gosta da sensação de adstringência dos vinhos tintos opte por consumir vinhos brancos que não passam por madeira e nem são vinificados com suas cascas e engaços;


- vinhos jovens tendem a ser mais tânicos que os maduros. Muitas vezes deixar um vinho novo guardado por um tempo melhora a qualidade de seus taninos;


- se na primeira prova o vinho estiver muito agressivo, deixe-o respirar por mais tempo, use um decantador e o esqueça por um par de horas;


- se este procedimento não ajudar é hora de riscar este rótulo do caderninho de compras – foi mal vinificado e ponto final. Nem para cozinhar vai servir;


Para refletirmos: Apesar de ser chamada de Rainha das uvas tintas, a Cabernet Sauvignon entra em qualquer relação de castas tânicas. Entretanto seus vinhos são considerados, em todo o mundo, como os melhores, sejam eles de Bordeaux, da Califórnia, do Chile ou de outros países produtores.


Qualquer enólogo gostaria de fazer um belo Cabernet e ser reconhecido por isto.


Por que será?


Dica da Semana: um aveludado Tannat do vizinho Uruguai.

Pisano RPF Tannat 2011


Ótimo tinto da casta Tannat, a melhor e mais plantada do Uruguai, onde ela se mostra menos dura e tânica que na sua região de origem, Madiran, mas continua cheia de corpo e cor.

O bouquet é concentrado e o palato macio, rico e bastante saboroso.

O RPF foi recomendado pela revista do Guia Peñin, o mais respeitado guia espanhol de vinhos.


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Acidez, uma característica pouco compreendida

Alguns temas mencionados na nossa coluna semanal geram ótimas respostas dos leitores. Mitos, saúde e harmonização são os campeões, sempre aparecem dúvidas que resultam em ótimo material para novos textos.

Na semana passada dois tópicos chamaram a nossa atenção com frases semelhantes a estas:

- “não gosto de vinhos ácidos, atacam o estômago”;
- “não aprecio vinhos tânicos”.

Quando a assunto é o gosto pessoal, não se questiona, mas se o assunto for acidez ou tanicidade do vinho há espaço para alguns esclarecimentos.

Para iniciarmos esta discussão, que vai se estender na próxima coluna, precisamos entrar num acordo:

a) todos os alimentos, inclusive vinhos, têm acidez;
b) vinhos tintos têm tanino (em certos casos, brancos e rosés também).
c) laranjas, limões e vinhos são menos ácidos do que o conteúdo normal do nosso estômago (*)

Infelizmente, no caso da acidez, esta palavra, na língua portuguesa, induz a outras ideias ou imagens. Tipicamente quando alguém menciona que “este vinho tem uma acidez alta”, logo imaginamos uma limonada azeda ou um coquetel de ácido sulfúrico e clorídrico, corroendo as nossas entranhas.

Nada mais errado!

Talvez o termo empregado para definir um vinho que tem brilho na cor, muito sabor, que nos faz salivar intensamente e é ótimo para harmonizar com comida, não devesse ser associado à palavra ácido, mas o que usar então?

Um vinho sem acidez simplesmente não tem gosto, é insosso, sem graça.

Existem vários ácidos nos vinhos. Alguns decorrem da fruta e outros do processo de vinificação. A maioria dos ácidos indesejáveis é eliminada ou é convertida em ácidos benéficos.

Os principais ácidos nos vinhos são o Tartárico e o Málico, com os ácidos Cítrico e Lático em segundo plano. Muitas vezes, se no vinho base há carência de alguns destes compostos, eles podem ser adicionados, dependendo de legislações específicas.

O ácido Tartárico é quase uma exclusividade das uvas. Sempre será predominante e tem como funções dar cor e sabor ao vinho. Rico em sais de potássio e de cálcio ajuda nas condições sanitárias prevenindo contaminações por microrganismos indesejáveis. É um fator importante no controle do pH do produto final.

O ácido Málico está presente em diversas frutas e vegetais. Sua concentração é menor em proporção direta ao tempo de maturação de uma fruta. Aquela sensação de “fruta verde” é, simplesmente, excesso de ácido Málico. Seu controle é fundamental na produção de vinhos, muitas vezes através da fermentação ou conversão malolática, onde o excesso é transformado em ácido lático, que amacia o sabor percebido no vinho.

A acidez de um vinho é indicada por dois valores: a acidez total, expressada em % e o pH, que é uma medida de intensidade, variando de 1 a 14: quanto maior o número, menos ácido é o vinho. Um pH 7 indica neutralidade.

Valores típicos dos vinhos:

pH entre 2.5 e 4.5;

Acidez Total entre 0.50% e 0.85%.

Para compreendermos corretamente a acidez, apresentamos em seguida o pH de produtos que consumimos diariamente: (*)

Abobora - 5.0 - 5.4
Bananas - 4.5 - 4.7
Batata - 5.6 - 6.0
Cenoura - 4.9 - 5.3

Cereja - 3.2 - 4.0
Farinha de trigo - 5.5 - 6.5

Laranja - 3.0 - 4.0
Leite de vaca - 6.3 - 6.6

Limão - 2.2 - 2.4
Milho 6.0 - 6.5

Refrigerantes - 2.0 - 4.0
Ostra - 6.1 - 6.6
Ovos - 7.6 - 8.0

Definitivamente, o vinho não é o vilão da acidez.
Mais preocupante seria o seu teor alcoólico, como citado no texto anterior a este.

Na próxima coluna: os Taninos. 

Dica da Semana: um bom chileno, bem vinificado com boa acidez.

Valdivieso Merlot 2013

Cor: Vermelho escuro brilhante.

Aroma: Intensos aromas de ameixas maduras, especiarias adocicadas, café, chocolate e delicada nota tostada.

Palato: Na boca é suave e elegante, com taninos sedosos dando bom corpo e estrutura.

Harmonização: Ótimo na companhia de cordeiro, carnes vermelhas assadas e massas.